sexta-feira, 25 de março de 2016

CARROS NAS PRAIAS

Praia do Pântano do Sul, em Florianópolis, tem trânsito de veículo proibido, exceto para moradores e trabalhadores locaisFoto: Charles Guerra / Agencia RBS

Estacionamentos à beira do mar têm tratamentos diferenciados em SC

Apesar de lei e decreto federais restringirem a obstrução do acesso ao mar e dos impactos ambientais, praias de Santa Catarina ainda permitem estacionar sobre a areia

Erich Casagrande


Alguns preferem a facilidade de chegar até a beira do mar para estacionar o carro e curtir a praia, outros entendem que os veículos devem ficar distantes da orla e que a faixa de areia é para o uso exclusivo das pessoas. Em Santa Catarina, pelo menos cinco cidades do litoral encaram essa situação de formas diferentes. Praias deFlorianópolis, Araranguá e Governador Celso Ramos, por exemplo, passaram a proibir a prática depois de serem acionados pelo Ministério Público Federal. A base legal sobre o assunto é o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (lei federal 7.661, de 1988) e o decreto federal 5.300, de 2004.

De acordo com a legislação, as praias são bens públicos de uso comum, com o livre e franco acesso a elas e ao mar em qualquer direção e sentido. Segundo a presidente da Comissão do Meio Ambiente de Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina, Rode Anélia Martins, estacionar o veículo na orla do mar é desrespeitar o espaço público.

— À medida que alguém estaciona, toma aquele espaço de tal forma que influencia no uso da área pública por parte das outras pessoas, dificultando o uso natural da praia. São aspectos de segurança, ambiental, e área pública que passam a ser desrespeitados — explica Rode, que ainda acrescenta que a praia não é citada no código brasileiro de trânsito justamente por não prever a área como um lugar de tráfego ou estacionamento.

Mas isso não é o que ocorre em todos os lugares de Santa Catarina. Enquanto as praias do Pântano do Sul, em Florianópolis, Camboa, em Governador Celso Ramos, e Morro dos Conventos, em Araranguá, foram acionadas pelo MPF — inclusive alvo de uma ação civil pública que determinou o comprimento da lei e a definitiva proibição de veículos na praia, com exceção a moradores locais e pescadores — outras continuam a receber carros na faixa de areia. É caso de Arroio do Silva, onde também é realizada anualmente uma corrida de caminhões na orla, e de Garopaba, na Praia do Ouvidor.

— Os órgãos públicos, de foram geral, são bastante reativos de acordo com as demandas de denuncias. É difícil agir sobre tudo e cada lugar tem particulares sociais. Mas onde houver reclamações, pode haver uma ação do Ministério Público — explica Rode.

Em Balneário Arroio do Silva, o prefeito Evandro Scaini argumenta que foram feitas três reuniões sobre o assunto com o Ministério Público e que o trecho onde há acesso de carros à praia é para uso dos moradores locais, mas admite que outros motoristas aproveitam o espaço para estacionar. Ainda assim, esse espaço é separado por tocos de eucaliptos.

— O uso desse espaço está de acordo com a vontade de população e cada praia tem sua particularidade. O que está sendo feito aqui não prejudica o meio ambiente e serve para facilitar o acesso dos moradores — defende Scaini.

O prefeito de Garopaba, Paulo Sérgio Araújo, e a secretária de Planejamento e Meio Ambiente, Dilcéia Moreira, não foram localizados pela reportagem para falar sobre o uso de carros na Praia do Ouvidor.

Movimento na praia prejudica o meio ambiente, defende especialista

O biólogo Alcides Dutra também ressalta a função social que a praia tem de propiciar socialização, convivência de forma segura e destaca o impacto ambiental do fluxo de veículos. Segundo o biólogo a areia se movimenta de acordo com as ondas e vento, abriga crustáceos e a pressão sobre o solo e o barulho de veículos pode afastá-los do seu habitat natural. Segundo ele, alguns pescadores também relatam que até mesmo os peixes se escondem mais quando há mais movimento na praia.

— De forma muito simples, quando alguém imagina um praia linda e perfeita, a praia do sonhos onde deseja passar um dia inesquecível, nunca imagina um carro estacionado no meio dela. O carro não faz parte desse ambiente — simplifica.

Praia do Pântano do Sul restringiu movimento de veículos

Como resultado de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, a praia do Pântano do Sul, em Florianópolis, limita, desde novembro, o movimento de veículos na orla. Sobre a areia, além de banhistas, apenas os barcos dos pescadores são permitidos. Alguns carros ainda se movimentam esporadicamente no canto esquerdo, mas não podem permanecer na praia. A ação definiu que a Polícia Militar deveria fazer a fiscalização e a prefeitura, colocar placas de sinalização, executar obras de afunilamento no principal acesso à praia e retirar as estacas que delimitavam o espaço para estacionar. Em fevereiro, o MPF entrou com uma petição na Justiça Federal questionando o não cumprimento de algumas das ações por parte da prefeitura. O juiz Marcelo Krás Borges determinou multa de R$ 1 mil por dia de descumprimento.

Apesar da ação civil pública ter mudado os hábitos no Pântano do Sul, ainda é possível ver turistas descumprindo a determinação: nesta quinta-feria à tarde, por exemplo, um veículo com placas da Argentina estava estacionado logo abaixo das placas que informam sobre a proibição. O comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar, coronel Marcelo Pontes, garante que a fiscalização tem sido feita com frequência, com apoio da Guarda Municipal. O secretário de Obras, Rafael Hahne, afirma que todas as medidas já foram tomadas.

Com a vigilância, os proprietários de restaurantes do Pântano do Sul perceberam melhora no ambiente. Fábio Laba não tem mais problemas para servir na praia seu clientes, que agora podem sentar com os pés na areia, e reconhece que a mudança requer um tempo de reeducação.

— A mudança gerou outro problema que é a falta de estacionamentos adequados, os que foram criados ficam lotados e as pessoas estacionam em lugares proibidos da mesma forma, só que fora da praia. Resta também saber se a fiscalização continuará o ano todo — questiona Laba.

Na chegada à praia, pela rua estreita, diversos quintais de casas viraram estacionamentos. Em 100 metros, havia oito com preços entre R$ 5 e R$ 15. O valor do estacionamento e a distância da praia é apontada por Amarildo Monteiro como uma das reclamações dos clientes locais que deixaram de frequentar os restaurantes:

— Muita gente não gostou de deixar o carro longe. É preciso um bom estacionamento porque esses que temos são pequenos e logo enchem.

Já o guarda-vidas Ariel da Rosa Viegas destaca o ganho de espaço e tranquilidade para os banhistas:

— As pessoas têm aproveitado mais a praia. Nessa área, perto dos restaurantes, agora se joga bola e os banhistas ficam mais tranquilos.

As leis nacionais

Tanto o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (lei 7.661, de 1988) e o decreto federal 5.300, de 2004 determinam que as praias são bens públicos de uso comum, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido. As exceções são os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por lei específica.

A presidente da Comissão do Meio Ambiente de Ordem dos Advogados do Brasilem Santa Catarina, Rode Anélia Martins, explica que a diferença de um veículo para uma tenda, barraca ou cabana sobre a areia é que a estrutura, apesar de também impedir o livre fluxo de pessoas, está de acordo com o propósito social da praia que é de convivência social. A estrutura, se legalizada e com alvará para funcionar, presta um serviço que vai de encontro ao lazer, sem prejudicar os demais. O mesmo vale para um guarda-sol particular, ele está de acordo com o uso do espaço.

Em Florianópolis
O Plano Diretor, em vigor desde 2014, já estabelece claramente que "é vedada a circulação de veículos automotores sobre as praias, costões, dunas e mangues".

(Do www.clicrbs.co.br)

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