domingo, 20 de novembro de 2016

POR TRÁS - E PELA FRENTE - DA PESCA DO ATUM!

Foto: igualdad animal
Atum: mais que um peixe, um mito
Seus cardumes normalmente acompanham as correntes marinhas, sendo encontrados em todos os oceanos. O atum é mais que um peixe qualquer. É um símbolo vivo dos oceanos. Quando se pesquisa sobre ele, percebe-se a admiração que desperta em todo o mundo.

Pesca do Atum no Brasil
O declínio do atum em águas internacionais traz navios japoneses para o mar brasileiro

Publicado por João Lara Mesquita 

O Brasil não tem tradição na pesca do Atum, um tipo de pescaria que acontece em alto mar, cujos pesqueiros normalmente são pequenos navios dotados de alta tecnologia. O Atum é bastante singular. Existem oito tipos de atum, o mais procurado é o atum azul. Trata-se de um ‘monstro’ marinho que pode atingir até 3 metros de comprimento, pesar cerca de uma tonelada, atingir até 70 km por hora quando arranca atrás de sua presa, e viver entre 20 e 30 anos. Outra peculiaridade destes incríveis predadores, é que os atuns são peixes de sangue quente, o que permite que procurem suas presas até em áreas subpolares, e sempre em profundidades maiores que 200 metros, podendo chegar até 900 metros.
Não há nos mares deste planeta nenhum peixe mais magnífico que o atum-azul. Ele pode atingir 3,65 metros de comprimento, pesar até 680 quilos e viver por 30 anos. Apesar de todo esse tamanho, ele é um primor da hidrodinâmica, capaz de nadar a 40 quilômetros por hora e mergulhar a quase 1 quilômetro de profundidade.

Assim se referiu ao atum matéria da revista Pesca Esportiva, e ela não é exceção.
O atum e a história do homem

O peixe faz parte da história da humanidade. Foi pintado em cavernas pelos homens primitivos, e sua imagem foi cunhada em moedas. A primeira referência que se conhece sobre a pesca do atum data de 7.000 A.C, no mar Egeu (O Atum em Portugal, pag 40). Cardumes serviram de alimento para os gregos e, posteriormente, para legiões romanas.
(Foto:numismatas.com)

No livro “ História Natural”, na Antiguidade Clássica, Plínio (Plínio, 77-79), baseado em histórias relatadas, faz referência a atuns e descreve a sua grande anatomia (idem pg 31):

O grupo de tunídeos era tão grande que toda a armada do rei Alexandre, o Grande, comparou a um exército inimigo.
Aristóteles, conhecedor das espécies animais do Mediterrâneo, coloca os atuns, as sereias e os bonitos entre os peixes migradores.

Os atuns e as cavalas acasalam no fim do mês do Elafebólion e desovam no início do Hecatômbeon. Põem ovos numa espécie de saco (ibidem, pag 38).

O ‘melhor’ sushi causa o desaparecimento da espécie
Ilustração: o Atum em Portugal

Mas os atuns, especialmente o azul, tem um grande problema: a gordura de sua barriga, considerada a melhor carne de peixe para se fazer o sushi e sashimi. Além deste aspecto, há a tecnologia aplicada à pesca que não dá a menor chance: o peixe não tem como escapar. Por fim, o atum é uma espécie migratória, não respeita fronteiras políticas, o que prejudica a fiscalização. Os japoneses chegam a pagar mais de 1,5 milhão de dólares por um exemplar. Resultado? O atum azul do atlântico, e o atum azul do Pacífico, estão na lista vermelha dos ameaçados de extinção da IUCN (International Union for Conservation of Nature).

De acordo com a tese O Atum em Portugal

Os japoneses preferem o atum de “carne vermelha”, sobretudo a espécie rabilho (Thunnus thynnus), em japonês “maguro”, e classificam as partes do atum de acordo com o seu teor em gordura. A parte mais gorda, que se situa na região abdominal, é normalmente a mais cara e a mais apreciada (pag.25)
História do consumo no Japão
No mercado de Tóquio um atum pode sair por mais de 1,5 milhão de dólares!

O Japão nunca foi, em termos históricos, um tradicional consumidor de peixe nem de qualquer outro tipo de produto marinho. Todos os alimentos provenientes do mar só se tornaram significativos nesse país a partir dos anos 30, do século XX. Hoje, os japoneses consomem 40% da proteína, através do peixe. O Japão consome sushi há alguns séculos mas sempre de uma forma muito rudimentar, face à noção atual. Só após a Segunda Grande Guerra, e com a introdução da refrigeração moderna, é que o sushi e o sashimi se tornaram realmente populares, com a confecção de peixe cru. No Japão, a cultura de consumo é diferente dentro do próprio país. Na região norte, o atum é apreciado por cada parte individualmente, enquanto que no sul confeciona-se o atum como um todo. Um dos pratos muito apreciados é olho de atum gigante. Assim, o atum, que até ao início do século XX servia somente para alimentar gatos, passou a ser servido como comida de requinte, nos mais caros restaurantes em todo o mundo (idem pag. 25)

O mercado japonês consome e importa mais atum-rabilho do que qualquer outro no mundo. Em 2005, o Japão importou 55% do total das importações mundiais. Atualmente, o Japão, Espanha, França, Estados Unidos e Itália, representam 95% do mercado global. Os peixes são vendidos a preços exorbitantes.

Tentativa de regular a pesca

Para minimizar este problema foram criadas associações e cotas para cada país apto a pescar o atum. Uma delas, a mais ‘respeitada’ (entre aspas porque sabe-se que muitos países não respeitam suas cotas) é a ICCAT, The International Commission for the Conservation of Atlantic Tunas. Já na Europa surgiram as Organizações Regionais de Gestão da Pesca, as ORGP, com o mesmo objetivo.
Rotas migratórias do atum no Hemisfério Norte

A organização reúne seus membros anualmente para tomarem decisões quanto as cotas, locais onde a pesca pode ser feita, época certa para a atividade, e até a criação figuras como o “observador”, que todo barco deve levar a bordo. Ele é encarregado de fiscalizar se, o que foi decidido na reunião, está sendo cumprido em cada navio pesqueiro.
Regularização da pesca do atum no Brasil

A regularização da pesca no Brasil sempre foi confusa, com políticas instáveis, mal feitas, até porque não temos estatísticas sobre a pesca. Na primeira viagem pela costa brasileira, entrevistei o chefe da CEPSUL, Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Sudeste e Sul, em Iatajaí. A região do Vale do Itajaí responde por 40% da produção de pesca no país (fonte: SINDIPI -Sindicato das Indústrias de Pesca de Itajaí e Região). Conversando com Luiz Rodrigues, chefe da autarquia, fiquei pasmo quando, depois de uma série de perguntas incômodas, ele foi claro ao dizer:“a pesca no Brasil é uma esculhambação total”.

O pior é que ele está correto. Seja como for, o Brasil só se interessou pela pesca do atum a partir de meados de 1950. Mas não investiu nas frotas. Desde aquele período o país usava barcos arrendados. O primeiro que aqui chegou foi o Keiko Maru, que desembarcou no Recife 150 toneladas de peixe.

Histórico da pesca do atum no Brasil

Nas regiões Sudeste e Sul a pesca de atum foi iniciada em 1959 e, mais uma vez, arrendando barcos japoneses. Esta primeira fase prosseguiu até 1964 quando a instabilidade política fez com que os estrangeiros procurassem outros portos. Por muito tempo a pesca de alto mar foi deixada de lado.
Navios japoneses arrendados em Natal, RGN

No governo FHC

Só a partir do governo de FHC a pratica mudou. Entre 1998 e 2002, o empresário paraibano, Gabriel Calzavara de Araújo, foi diretor do Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura. Seu maior legado foi criar um novo marco regulatório, mais flexível, para o arrendamento de barcos de pesca, o Decreto nº 2840. Até então o procedimento seguia uma rígida norma de 1950.

De acordo com (MAPA, 1997 p.1), uma segunda etapa de arrendamento de embarcações pesqueiras teve início no final dos anos 70, quando barcos pesqueiros, na maioria Asiáticos, começaram a exercer a pesca de superfície com isca viva dirigida à captura de Bonito-barriga-listrada (espécie de atum), em conjunto com embarcações nacionais compostos de sardinheiras e arrasteiros adaptados.

Mais de 300 navios pescam em águas brasileiras

O estudo prossegue

Os processos de arrendamento de embarcações pesqueira no Brasil tornaram-se mais evidentes em fins da década de 90, influenciados pelo Decreto n° 2.840 de 10/11/1998. Este decreto revogou os anteriores regularizou a entrada dessas embarcações. Segundo consta no Decreto, as empresas arrendatárias teriam o direito de permanecer com as embarcações por três anos, com chances de prorrogação por um período máximo equivalente ao do processo. Essa medida proporcionou durante, o período de 1998 á 2002, a entrada de 332 navios estrangeiros de pesca na costa litorânea brasileira, estando esses devidamente autorizados a praticarem exploração da atividade no mar territorial brasileiro.
Novo marco regulatório
Mais dois tipos de atum. Note a hidrodinâmica perfeita

O autor do controverso decreto foi o ex secretário da Pesca do período FHC, Gabriel Calzavara de Araújo que, ao sair do Governo, fundou duas empresas a Atlântico Tuna, e a Norpeixe, arrendou navios japoneses e ficou milionário.
Mas não foi só Calzavara que se beneficiou.

Segundo Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio exterior / Secretaria e Comércio Exterior (MDIC/SECEX, 2004), o Estado da Paraíba possui, em seu território,cerca 10 empresas ligadas á atividade pesqueira industrial, as quais chegam a movimentar individualmente por ano entre U$S 1 e 10 milhões. Uma delas, a Tunamar Comércio Ltda, foi responsável pelo arrendamento de 54 embarcações pesqueiras durante o período em questão, fatos esses que proporcionaram ao Estado, em conjunto com o Estado do Rio Grande do Norte, a produção, em 2001, de aproximadamente 10.000 toneladas de atuns e afins.
Em 2007 novo estudo sobre a pesca do atum no país foi publicado. “A pesca Oceânica No Brasil Do Século XXI“, de autoria do renomado professor Fábio Hazin, e Paulo Henrique Travassos, ambos da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Pesca de atum movimenta US$ 4 bilhões de dólares por ano
Algumas considerações:

No ano de 2004, no Oceano Atlântico, excluindo-se o Mar mediterrâneo, foram capturadas cerca de 500.000 t de atuns e espécies afins…No mesmo ano, as embarcações sob jurisdição nacional, brasileiras e arrendadas, capturaram 44.640 t, ou o equivalente a cerca de 9% do total capturado no Atlântico…Em 2005, este montante subiu para 48.900 t, representando um incremento próximo a 10%. Do ponto de vista do resultado econômico, entretanto, uma vez que aproximadamente a metade da produção nacional é constituída por bonito-listrado, uma das espécies de atum mais costeiras e de menor valor comercial, a participação brasileira no rendimento proporcionado por esta pesca, em torno de US$ 4 bilhões/ ano, certamente se situou bem abaixo dos 5%…(pags 60/61)
E mais:

Com o esgotamento dos recursos pesqueiros costeiros, a principal alternativa para o desenvolvimento do setor pesqueiro nacional, excetuando-se a aqüicultura, reside na pesca oceânica,voltada para a captura de atuns e peixes afins. Porém vários são os entraves para o desenvolvimento da pesca oceânica nacional, com destaque para a falta de mão-de-obra especializada, de tecnologia e de embarcações adequadas, as quais, devido ao seu elevado custo, encontram-se comumente muito além da capacidade de investimento das empresas de pesca brasileira…

Mas nem tudo é desvantagem..

Enquanto embarcações operando a partir de portos brasileiros alcançam as áreas de ocorrência dos cardumes com poucas horas de navegação, as frotas de países com grande tradição pesqueira, como o Japão, Taiwan, Coréia, Espanha, Portugal, entre outros, são obrigados, em alguns casos, a viajar mais de 20.000 km para atingir as mesmas áreas de pesca

Hazin defende o arrendamento

A produção nacional de atuns e afins cresceu de pouco mais de 20.000 t, em 1995, para mais de 50.000 t, em 2000, em decorrência, principalmente, da ampliação dos arrendamentos promovidos pelo DPA/ MAPA (Departamento de Pesca e Aqüicultura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento)

Sobre as embarcações brasileiras, disse Hazin

Neste contexto, registre-se que as embarcações nacionais são obrigadas a competir pelos recursos pelágicos deste oceano, com as frotas estrangeiras, particularmente a espanhola e japonesa, pesadamente subsidiadas e que operam com um custo financeiro que representa uma pequena fração da realidade brasileira

O que prefere o Brasil?

O que claramente se coloca, portanto, é qual futuro o Brasil prefere. Conceder às frotas internacionais o livre acesso aos portos brasileiros, e ficar literalmente a ver os navios estrangeiros pescando em seu quintal, ou enfrentar o desafio de desenvolver a sua pesca oceânica.

E ele mesmo conclui:
A decisão do Estado brasileiro foi, e não poderia ser outra, pelo desenvolvimento do setor pesqueiro nacional.
A pesca é brutal (foto: igualdad animal)

Resta saber quando, e como isso será feito. Para desenvolver estes navios pesqueiros é preciso investimentos em estaleiros, e treinamento de mão de obra especializada, tanto na construção, como na pesca. Com o país quebrado, fica difícil adivinhar quando chegará a vez da pesca industrial de alto mar, nas prioridades do atual desgoverno. Com muita sorte, e vento a favor, quem sabe possamos começar dentro de 10 anos.
Ainda valerá a pena?

Cientistas contrários a pesca

Alguns cientistas criticam a pesca de atum mesmo com as cotas e outras medidas. Sylvia Earle é uma delas. Sylvia garante que 95% do atum azul dos oceanos já se tornaram sushi
ONGs protestam

O Greenpeace também protestou

O Greenpeace flagrou, na semana passada (fevereiro de 2001), o navio pirata Wen Shun 606 descarregando atum no Porto de Cabedelo, Paraíba. O Wen Shun 606 é listado na ICCAT como sendo navio que “se acredita engajado na pesca não-relatada e não-regulada”. A embarcação pirata é registrada em São Vicente e Granadinas, foi construída na China e pertence à Continental Handlers Limited, empresa baseada em Trinidad & Tobago.

Outras ONGs dizem que o ICCAT ignorou o conselho de cientistas que queriam o fim da pesca do atum-azul, já em 2009, e criou cotas de pesca da espécie de 13.500 toneladas.
O preço: maior inimigo do Atum (da tese O Atum em Portugal)

Sendo o atum um produto bastante rentável, as políticas de regulamentação e conservação existentes podem não ser suficientes para a manutenção da sustentabilidade das espécies.

(Do marsemfim.com.br/)

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