terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O NAVEGANTE



The Seafarer, tela de Paul Klee


"Quero cantar eu mesmo minha vera versão
versar várias viagens, de como dias
duros, árduos, tristezas enfrentei,
amargas angústias suportei a sós,
moradas de mágoa provei na popa
as torres terríveis das ondas onde
a nervosa noturna vigília me levava até a proa
roçando os recifes. Algemado pelo gelo,
meus pés presos pelos ferros do frio
enquanto o sofrer suspirava quente em volta do peito
fome feroz dilacerava por dentro o coração
marexausto. Disso nada sabe
quem nas cidades se distrai quem nunca deixou terra firme
como eu (cansado e miserável) no mar glacial
um inverno vivi pelas trilhas-do-exílio privado de minha tribo,
suspenso sobre sincelos; granizo voava no vento.
Lá eu nada ouvia, salvo o mar rugindo,
estrondo de onda gelada. Às vezes só a canção do cisne
me divertia; ruídos de mergulhão
cantos de maçariço em vez de riso humano,
gritos de gaivotas eram meu hidromel.
Tempestades espancavam penhascos, as andorinhas respondiam
(suas asas geladas) sempre ao grito da águia
(geada: suas asas). Nenhum parente aqui
pra proteger e consolar minha alma miserável.
Pois os que aproveitam os prazeres da vida
no conforto das vilas de suas vidas vazias
vaidosos e alegres de vinho mal adivinham
que cansaço suportei na senda do oceano"...

Trecho do poema conhecido como The Seafarer (O Navegante), um dos documentos mais antigos da literatura inglesa. O único manuscrito existente foi descoberto no século x, na biblioteca da Catedral de Exeter. Sem título e de autor desconhecido, o poema faz parte do Exeter Book, códice manuscrito que reúne algumas das produções literárias mais ancestrais da Ilha, como The Wife’s Lament, Deor, The Ruin, The Wanderer e Widsith. O livro foi traduzido para o portugues pelo poeta e escritor Rodrigo Garcia Lopes, Lamparina Editora, 2004.

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